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Lentes já permitem frear o avanço da miopia em crianças de 8 a 12 anos


É nessa fase da vida em que começa a disfunção — e que a quarentena colada a eletrônicos ampliou.


A miopia foi o problema de saúde de maior impacto entre as crianças ao longo do último ano, em decorrência da pandemia. O alerta veio de um novo estudo publicado na revista JAMA Ophthalmology, a maior referência científica na área. A conclusão: a prevalência da doença aumentou até três vezes em meninas e meninos de 6 a 8 anos em 2020, em comparação ao período de 2015 a 2019. Dois hábitos extremamente nocivos aos olhos, típicos da vida moderna, foram agravados com o confinamento doméstico — a exposição insuficiente à luz natural, sem horizonte à vista, e a leitura de perto, de muito perto, resultado do uso exagerado de smartphones, tablets e computadores.


Não há cura para a disfunção, mas há excelentes novidades, sobretudo para a faixa etária em que a miopia é deflagrada, entre 8 e 12 anos. Lentes de contato conseguem, de modo inédito, desacelerar a progressão da visão turvada. As próteses de material sintético agem no controle da esclera, a parte branca (no olho míope ela é maior que o normal), e nas alterações na curvatura da córnea, a porção que envia a luz para a retina, justamente onde se forma a imagem. O uso desse tipo de lente, indicam as pesquisas, pode reduzir em média 60% o aumento do grau. Para funcionar, as lentes precisam ser usadas seis vezes por semana, durante o dia, por pelo menos dez horas seguidas, até que a doença se estabilize.

A miopia é retrato do nosso tempo, atualíssima. Hoje, em todo o mundo, cerca de 30% da população, o equivalente a 2,5 bilhões de pessoas, sofre dela. Em 2050 serão quase 50%, ou 5 bilhões de indivíduos que passarão a ver o mundo por meio de óculos. Destes, 1 bilhão apresentarão a forma grave, com graus avançados. O problema ocorre quando a luz que entra no olho não é focalizada no local correto, o que faz com que objetos distantes sejam visualizados de maneira embaçada. Há aceleração na infância porque nessa fase de crescimento a presença da luz é ainda mais essencial ao órgão. É na primeira década de vida que a curvatura e o comprimento do olho se desenvolvem de modo a pôr o foco no ponto correto. A luz solar estimula o enrijecimento da esclera, o arcabouço do olho — nos míopes, a esclera é mais elástica que o normal, o que provoca uma modificação no formato do órgão. Demasiadamente ovalado, ele fica afeito ao foco em um ponto inadequado.


O uso constante de smartphones, insista-se, contribui para o desenvolvimento da miopia porque, durante a visualização próxima, seja na leitura de um livro, seja no uso de dispositivos eletrônicos, a lente do olho ganha volume para além do natural. A pressão ocular aumenta, empurrando a esclera, o que faz com que o foco das imagens não atinja a retina. Na China, país com a maior proporção de míopes no mundo, as evidências do cotidiano na visão dos jovens são cada vez mais conclusivas. Lá, nove entre dez crianças são diagnosticadas com miopia. Os chineses são extremamente pressionados a ter sucesso na escola — o que os deixa horas a fio sobre os livros. Eles gastam quinze horas por semana nas lições de casa, muito mais que a média mundial. No Brasil esse tempo é de cerca de três horas.


No século XIX a miopia praticamente só existia entre pessoas de classes mais altas e instruídas, as que permaneciam por mais tempo com os olhos sobre os livros. “Na Dinamarca daquela época a incidência do problema entre operários não especializados, marinheiros e agricultores era de menos de 3%, mas de 12% entre artesãos e 32% entre estudantes universitários”, diz Daniel Lieberman, autor do livro A História do Corpo Humano. Lieberman ainda argumenta que, como os genes não mudaram muito nas últimas centenas de anos, a expansão da miopia é resultado de mudanças ambientais. A boa notícia: é possível, portanto, frear o avanço da doença com uma simples mudança de hábitos. “As crianças devem ficar mais tempo ao ar livre, agora com todo o cuidado imposto pelo novo coronavírus”.

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